Aviso, este post contem Arrogancia.
Não recomendado para pessoas com baixa auto-estima que tenham assistido o filme A Passagem.
Entendam... Eu sofro de um mal comum, que é arrogancia. Mas ao contrario de uns tantos, eu tenho algum contato com isso, e ao contrario de um outro tanto, eu tento evitar-la. Não entendam isso como uma critica, sou apenas eu arrogantemente dizendo q eu sou melhor que vocês, seus arrogantes.
Ahn, voltando ao tópico.
Eu tento evitar que minha arrogancia se mostre. Eu sou egoista com ela, eu guardo ela só pra mim. Eu realmente acho que caminhos diferentes, gostos diferentes e referências diferentes não colocam uma pessoa abaixo de mim. Estes são momentos fáceis para mim de conter minha arrogancia. Não é que eu não tenha aquele breve momento em que eu penso "puta que pariu que pessoa tosca", é só que eu penso "olha, você também é bem tosco aos olhos dela. E aí, quem está certo?". Isso é um resumo grosseiro, mas para evitar ser arrogante e detalhar demais o processo vai assim mesmo.
Quando eu me vejo diante de determinadas situações, porém, a arrogancia fala mais alto. Ela ficou guardadinha aqui dentro, mostly. até virem jogar cada vez mais lenha, e pronto. Agora explodiu, isso é a explosão da minha arrogancia. Então sim, ela vem junto com raiva, que vinha sendo dosada até agora com humor. Cautela, aos que prosseguem.
A situação é, eu assisto um filme com uma narrativa completamente digerida, significa que tem todas as explicações dadas no próprio filme. Sim, eu estou dizendo que A Passagem é um filme fácil de entender. EXTREMAMENTE ´facil de entender. Eu não consigo conter as seguintes palavras: PUTA QUE PARIU COMO AS PESSOAS PODEM SER TÃO BURRAS????
Por que sério, eu sei q eu sou completamente mergulhado em universo filmográfico, então eu realmente entendo da grámatica filmografica melhor que a maioria dos leigos, mas isso só me dá UMA vantagem, que é eu conseguir usar as palavras filmografica e gramática numa mesma frase e achar que faz sentido, ok? A construção da linguagem filmica, leia-se, o desenvolvimento da narrativa usando imagens e banda sonora, do filme acima citado é completamente clara. Eu vou até assistir o filme lendo o manual de roteiro de syd field e testar se os tempos propostos pelo americano bitolado em formulas funcionam. Aposto que funcionam.
Para os leigos: Syd Field é um americano que tem um manual do roteiro, onde ele aponta a estrutura narrativa de um roteiro (não do filme, pq filme não é roteiro, é imagem e som decorrente do roteiro. Roteiro é, por tanto, literatura, e filme, audio visual) com uma formula para você criar os seus próprios. Funciona, apesar d'eu ter chamado ele de americano bitolado por formulas, e vale a pena pra quem quer aprender. Desde que você entenda que ele é um americano bitolado por formulas, e como a maior parte de nós percebe, americanos tem a tendencia arrogante de achar que a formula deles é a correta. Estagnação...
Voltando. Como um critico de cinema de um jornal conceituado da cidade do rio de janeiro compara o filme com David Lynch (ok, compreensivel, sonhos, realidades oniricas... Temas combinam. Forma da narrativa NÃO) e diz que é igualmente indecifravel (vem novamente as palavras... PUTA QUE PARIU COMO VOCÊ PODE SER TÃO BURRO? Você é PAGO pra fazer criticas de filme, você é pago pra assistir filmes, como vc ainda, nem por tempo de carreira, aprendeu um minimo sobre narrativa filmica? Mas eu fiquei quietinho, e só teci comentarios com o meu amigo que viu o filme comigo pq me deixava triste uma critica daquelas podia afastar muitas pessoas de um filme, ao contrario do sugerido, muito bom. Mas aí eu tou passeando pela internet e vejo outro comentário similar. Aqui e ali, mais comentarios assim. Pessoas dizendo que se quer entenderam se o pessonagem estava vivo ou morto.
ATENÇÃO (de novo): Apartir desse ponto, esse post é Spoiler PURO. Spoiler, pras pessoas sem as referências de fandom (Comunidades de Fãs de algo...) Spoiler quer dizer que eu vou estragar as surpresas. Ou seja, só continue lendo se A) vc não se importa de saber o final antes de ver o filme (eu sou assim... o que importa é como é contado, e não o que é contado) ou B) vc já viu o filme.
Ok, "Stay" for Dummies(Stay é o titulo original, tá?). Ou, no impeto de retirar a arrogancia, "como eu entendi o filme". Primeiro, vocês repararam naquele efeito maravilhoso, e muito bem usado no filme? Aquele que todo corte (corte, ou seja, o momento em que a camera desliga e parar de registrar e liga de novo e volta a registrar) é feito com uma fusão das cenas? Como se fosse tudo continuo? Pois é, não foi usado (conforme sugere um critico, à euxaustão) por que era bonitinho (mas cansativo, segundo o mesmo critico) e sim por que era bonitinho (ei, até na literatura estetica tem importancia, em filmes, também) e por que ele acrescentava algo importantissimo a narrativa. Você não achou que era mais ou menos como estar em um sonho? Quando você saí de um ambiente e está imediatamente em outro, milhas de distância? Pois é, aquilo era do mundo diegetico (universo onde se passa o filme, ficticio). Aquilo esta dizendo para você "Não, não existe espaço, tudo se confunde aqui" e isso é tão verdade que o personagem principal fala isso. Imediatamente antes do efeito vir de novo e transportar a gente para outro lugar como se não houvesse corte e fosse um movimento continuo. Por que É um movimento continuo no mundo diégetico. Nota, isso não é só pra quem assiste e sabe o que é montagem. Isso é colocado em palavras na boca de um personagem imediatamente antes de ser realizado visualmente. Isso e apenas isso já seria o suficiente, para nós chegarmos a uma conclusão, eu diria. Mas tem só isso? Não. Como eu disse, é um roteiro digerido. (Foi quando eu vi o efeito sendo usado varias vezes seguidas que eu concluí que o filme se passa no sonho, ou inconsciente, do personagem, mas obviamente, eu PODERIA estar errado, se nada mais entregasse essa conclusão)
Todo o universo diegetico gira em torno do personagem principal. Ok, o cinema tem disso, tudo acontece com o mocinho e para o mocinho afinal. O mundo gira em função da aventura dele. Mas aí vem aquela personagem dizer que ele está nos observando (quem está vendo tudo q acontece? Ora eu e você, não o personagem principal, pq ele não está ali na cena, como ele poderia estar observando algo?). Hm. Salve essa informação para mais tarde. (sim, neste ponto algumas pessoas começam a considerar o fato que o garoto é paranormal, subrenatural, o diabo, whatever)
O garoto devolve a visão para um cego. (que é o pai falecido dele. Lembra, o universo gira em torno do personagem principal? Todo mundo no universo diegetico no filme é conhecido dele. Picture that.) Nesse momento várias pessoas fazem a correlação obvia: Jesus Cristo. Esse menino é o messias. A salvação. Bem, quase.
Todas as obras de arte são do garoto. TODAS as obras de arte são do garoto. Por quê? Por que tudo é criação do garoto. Sim, ele não é o messias, ele é deus, himself, criou o universo em 6 minutos, e no ultimo desistiu.
E nesse momento nós conhecemos as contrapartes 'reais' de todos os personagens envolvidos e vemos o acidente de carro, o médico chegando para tentar salva-lo, acompanhado de uma mocinha. Uma mãe com um filho, que pergunta "Mãe, esse homem vai morrer?" (opa, não é que essa mãe e esse garotinho apareceram o filme inteiro?). Então, respondendo as perguntas mais frequentes... Ele morreu sim. Ele se matou? É o que sugere, a partir do principio que ele desistiu de lutar para continuar vivo, todo aquele "sonho" anterior tem a única função de convencer o garoto a permanescer vivo. Ele se matou na realidade? Tecnicamente não. O acidente, como é explicado verbalmente por um personagem, foi causado por um pneu que explodei, então não foi se quer distração ou lapso. Foi mero acaso (Mas o sonho sugere que ele desistiu de viver. Ele se matou. Ele desistiu de se manter vivo...). Mas tecnicamente o que matou ele foi a batida. Aqui mora toda a poesia do filme. Foi a batida que matou ele, ou ele poderia ter sobrevivido a batida se não tivesse desistido no mundo do delirio dele?
Toda a ultima sequencia do filme é o mundo real. Por quê? Por quê ali estão todos os personagens, concentrados num único momento, que é, por acaso, o momento que começa todo o universo de sonho anterior. Todos os personagens que dizer, todos os personagens. Mesmo. Todo mundo. Os personagens que sequer podem ser chamados de secundarios, pois só enfeitam o fundo, bem, eles estão lá enfeitando o fundo de novo. Ok, esse é um filme de baixo orçamento, comparado com a maioria que passou ao mesmo tempo, mas não foi feito na garagem, ok? Tá todo mundo com a mesma roupa, usando a mesma maquiagem. Sim, eu reparei nisso. Tá, você podia não reparar. Meu olho é treinado, você é só platéia casual. Mas ainda assim. Temos um lento travelling ('passeio' da camera pelo cénario) mostrando pessoa por pessoa, e dando frases como "Mãe, esse moço vai morrer?" só pra te dar plena cereteza que SIM, tá todo mundo ali.
E como uma ultima gracinha, uma coisa presente apenas no universo do sonho, o fato do médico ser casado com a personagem da naomi, sugere que se trona real, pois eles saem juntos da tragédia pra "jantar em algum lugar". Jantar com uma pessoa do sexo que te interessa nos estados unidos quer dizer quase invariavelmente, um encontro romantico.
Se você ainda assim está pensando "mas tudo antes era sonho mesmo?" deixa eu insistir: Olha, nenhuma daquelas pessoas se conheceia antes da batida. Eles FALAM isso quando se apresentam uns aos outros, deixando bem claro que são completos estranhos unidos por nada além da fatalidade. Eles não poderiam tratar do garoto e não se lembrar dele. E também não podiam mudar completamente de vida (Artista pra Enfermeira, Médico para Psiquiatra, Perua para Psiquiatra -- aquela mulher seria a pior psiquiatra do mundo. Não me admira...) Alias, só mais um fato: ela chegou primeiro ao garoto acidentado, e depois chegou o médico. Hm. Ela era a psiquiatra do garoto e depois foi substituida pelo Médico. Hm. Isso deve ser indicação de algo...
Então, sim, as pessoas hão de ser muito burras de não conseguirem ler sinais tão claros. Elas não são burras de não conseguirem colocar com as palavras que eu coloquei, tendo em vista meu vocabulário de estudante de cinema, mas são burras por não entenderem o obvio. Desculpe. David Lynch eu concordo que é subjetivo. Esse filme não é. Interpretações em cima da históra podem variar, mas todos os fatos básicos acima citados constroem uma base relativamente sólida, para que as interpretações não variem tanto ao ponto de "Mas ele morreu ou não?". David Lynch não constroí explicações claras e coerentes (exceto em Mulholland Drive, mas, huh, ainda assim não foi particularmente coerente, embora tenha sido um paralelo claro, não era, hm, coerente) e esse filme tem uma explicação, clara, coerente, visual e auditiva, indireta e direta. E não, não só pessoas expecionais pegaram.
Minha teoria (quanto ao critico que é o principal causador da minha raiva) é que as pessoas não conseguem lidar com universos diegeticos dentro de universos diegeticos (o mundo do filme é um mundo ficticio e o sonho/delitio de morte do garoto é um universo ficticio DENTRo do universo ficticio do filme...). Correção, as pessoas de certa idade. Mas aí vem a nossa mente: Matrix. Vanilla Sky. E esses são só os mais obvios e famosos. Tem também o gênial 13o. andar, que é mais foda que os outros dois, pra mim. Tem vários. Os anos 90 foram povoados por filmes assim. É um formato conhecido. Jovens absorvem essas mudanças narrativas mais rapido, por isso o cometário pessoas de certa idade.
Mas aí eu vou no blog de uma jovem e leio "Mas ele morreu?" Morreu minha filha. Como você consegue pensar que ele não morreu? É ignorar completamente pedaços do filme. Ok, eu já fiz isso, pra deixar o filme sem pequenos pedaços impalataveis para meu gosto -- A.I., por exemplo, eu vivo esquecendo pedaços de A.I. pra deixar a narrativa mais a meu gosto... mas se forçado, eu me lembro... Mas eu faço isso num processo consciente. Como as pessoas conseguem realmente 'deixar passar' coisas da estrutura principal da narrativa assim? É assustador.
1 Comments:
puta que pariu como eu consegui escrever tanto sobre isso?
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